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O modelo do socialismo periférico: alguns aspectos teóricos sobre a economia - Moçambique

A partir da experiência descrita, ressaltam-se os aspectos de maior debate sobre as políticas económicas num contexto da construção do socialismo nos países em desenvolvimento. Primeiro, as prioridades sectoriais no desenvolvimento económico são um dos aspectos fundamentais deste debate, aspecto este que condiciona a organização da economia com o objectivo de transferir os recursos e a acumulação para esses sectores, seja através dos mecanismos de mercado, como por meio do plano e do papel redistribuidor do Estado. As posições mais ortodoxas defendiam a transferência dos recursos para a industrialização das economias. Os autores estruturalistas, por seu lado, argumentavam que no caso dos países em desenvolvimento o sector externo deveria desempenhar a função de acumulação. Fitzgerald (1988) afirma o seguinte sobre este assunto:

“O problema clássico da taxa óptima de acumulação expressa-se como o balanço entre a produção exportada e a produção para satisfazer as necessidades básicas que determinam, respectivamente, a taxa de crescimento e o nível de vida”.


A experiência moçambicana aproxima-se mais às posições ortodoxas, pelas razões seguintes: a estatização e a industrialização constituíam os grandes objectivos e eram consideradas como as condições necessária para a construção do socialismo. O padrão de acumulação da economia assentava na extracção dos recursos dos sectores não planificados para os sectores socialistas através de mecanismos que concentravam a acumulação no Estado, que posteriormente os redistribuia para o desenvolvimento das formas de produção que caracterizavam o modelo (o sector público).

Destaca-se no entanto algumas especifidades na experiência moçambicana:
  • a agricultura foi definida no III Congresso como a base para o desenvolvimento económico. Esta priorização pressupunha que a acumulação a curto prazo, principalmente de divisas, seria realizada neste sector;
  • a componente ideológica populista reflectiu-se na mobilização dos recursos locais para a melhoria das condições de vida das populações e nas formas voluntariosas de cooperativização.

Estes elementos do modelo moçambicano revelam algumas variantes tácticas à ortodoxia da industrialização pesada. Embora este fosse o objectivo da transformação económica, admitiam-se estágios intermédios impostos pela estrutura económica herdada e pela necessidade de melhorar a curto prazo as condições de vida da maioria da população.

Segundo, muitos autores defendem que o papel do Estado não é o de intervir directamente no sector produtivo através da criação do sector público. Para os estruturalistas que estudaram as experiências socialistas nos países em desenvolvimento, o papel essencial do Estado deveria ser o de controlar os mecanismos de acumulação de forma a concentra-lo nos sectores produtivos considerados estratégicos e impulsionadores do desenvolvimento. Em Moçambique, existiu uma estatização bastante radical e o sector público da economia tornou-se, em poucos anos, no maior produtor de bens e serviços comercializados. O III Congresso da FRELIMO definia que o sector estatal deveria ser “dominante” e “determinante” no desenvolvimento económico e social do país34.

Terceiro, o caso de Moçambique revela que o consumo privado foi restringido com o objectivo de libertar recursos para o financiamento do desenvolvimento (este é um dos elementos básicos do modelo de Kalecki35). Os grandes projectos de desenvolvimento agrário baseados em sistemas de produção intensivos em capital e a importação massiva de equipamentos por um lado, e a redução das importações dos bens de consumo “não essenciais” e o colapso do abastecimento rural por outro lado, revelaram claramente esta opção36. Os estruturalistas, pelo contrário, defendem que nos países em desenvolvimento ”a produtividade tanto dos trabalhadores como dos camponeses, depende da acessibilidade a mercadorias incentivadoras” (Fitzgerald, 1988), o que significa que o consumo (isto é, a procura) constitui um dos mecanismos impulsionadores do desenvolvimento.


Quarto, o período de transição entre os dois modelos económicos foi caracterizado pela aplicação radical de muitos dos pressupostos do novo modelo. Não foram encontrados os pontos de equilíbrio entre o sector público e os sectores não socialistas e entre o plano e o mercado. A direcção administrativa da economia através de um plano muito centralizado provocou a “secagem” do mercado, distorções no seu funcionamento e ineficiências na utilização dos recursos. Estes aspectos reúnem algumas das principais criticas que se fizeram à maioria dos processos socialistas nos países em desenvolvimento que foram as seguintes:

  • a secundarização das economias de pequena escala que representavam, em muitos casos, mais de 60% do PIB e mais de 70% do emprego e do auto-emprego;
  • a direcção administrativa da economia em realidades onde as economias e os mercados informais desempenhavam papéis fundamentais na reprodução dos sistemas e das lógicas produtivas, a nível micro e macro;
  • a secundarização na utilização dos instrumentos de direcção económica (taxas de juro, oferta monetária, taxas de câmbio, etc) e a consequente substituição pelos balanços materiais e inter-sectoriais do plano. Por exemplo, em relação à política monetária, as necessidades de moeda dependiam das necessidades das trocas da economia, cujas metas eram definidas no planos materiais. Segundo Cole (1974:339), “assim ... a capacidade de produção e não a estabilidade dos preços ou das taxas de juro e de câmbio deve ser o princípio orientador da política monetária”.
Quinto, Fitzgerald (1988:50) afirma:

“A agressão militar e económica contra as nações que tentam a construção do socialismo é um elemento central na realidade da transição”. A crítica principal refere que os modelos macroeconómicos consideram a guerra como uma variável exógena. Argumentase que as economias em guerra necessitavam de formas específicas de organização da produção, distintos métodos de gestão e de utilização dos instrumentos de direcção económica. Fitzgerald especifica a este respeito: “pensando na necessidade de desviar excedentes internos e externos para a defesa, reduzem-se as possibilidades de acumulação e aumenta a tendência para reforçar os mecanismos para a centralização dos excedentes nas mãos do Estado .... a natureza centralizada e vertical da estrutura de comando militar reflecte-se na administração civil com efeitos na organização da sociedade”.
Sexto, e no que respeita especificamente à agricultura, a questão agrária nos países com características semelhantes às de Moçambique é o da definição de políticas de integração dos pequenos produtores no mercado dentro de um contexto de transformação da base produtiva e da sociedade. As formas e as vias dessa transformação constituem um dos principais temas de desacordo nas experiências socialistas de todos os continentes. Conforme já referido, a extracção dos excedentes dos pequenos produtores foi o principal objectivo dos modelos aplicados nestas experiências. Por outro lado, os benefícios destes processos concentraram-se sobretudo nas cidades.

Para terminar, sétimo, a substituição dos parceiros económicos teve custos elevados para a economia e o nível de apoio esperado dos países socialistas ficou aquém das expectativas do poder moçambicano. Isto é, a substituição dos suportes externos, económicos e não económicos, não garantiram os ritmos desejados na implantação do novo modelo, criando-se rupturas e vazios entre o “velho” e o “novo”. Fitzgerald (1988) afirma que as relações entre países socialistas regulam-se por regras do mercado capitalista mundial e que os termos de troca são igualmente desfavoráveis para os países menos desenvolvidos. As relações socialistas internacionais também incluem factores não estritamente económicos: as opções políticas dos países, a sua importância geo-estratégica e a riqueza em matérias primas são factores fundamentais no grau de cooperação governamental.



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