As fontes apresentam a mudança de forma simplista: o rei é substituído por dois cônsules Bruto e Colatino. Tito Lívio (1.60.4) diz que os cônsules foram eleitos nas assembleias por centúrias, cuja criação era atribuída a Sérvio Túlio. Dionisio de Halicarnasso (4.84.5) salienta que a eleição se fez segundo o costume dos antepassados. Os cônsules eram magistrados epónimos (davam o nome ao ano), detentores de imperium, pelo que podiam comandar exércitos, e eram eleitos nos comitia.centuriata, dada a natureza militar. Detinham poder igual (eram collegae) e podiam boquear ‑se um ao outro. Como insígnias tinham a toga.praetexta (toga ornada de uma faixa de púrpura), a cadeira curul e eram acompanhados pelos litores, os 12 oficiais que transportavam os feixes de varas (fasces), símbolo do poder de castigar (inicialmente os fasces eram usados ativamente nas punições, como se vê, por exemplo, na Vida.de.Publícola de Plutarco ). No meio das varas estava encastrado um machado, que mais tarde seria suprimido dentro da cidade em resultado da aprovação do direito de apelo (provocatio ad.populum).perante uma decisão de um magistrado.
Em época de crise podia nomear‑se um ditador, designado por um dos cônsules. Este reunia em si o poder dos dois cônsules, pelo que tinha também 24 lictores, mas o seu governo limitava ‑se habitualmente a metade do tempo, isto é: seis meses. O ditador era também designado por magister. populi (comandante do povo) e, devido a esta função de comandante de infantaria, tradicionalmente não podia montar a cavalo sem permissão . Por seu turno, nomeava um subordinado, o magister.equitum (comandante da cavalaria). Embora na sua maior parte fossem nomeados ditadores para resolver situações de grande perigo na guerra (rei.gerendae.causa), também serão de futuro escolhidos para outras funções específicas, como promover eleições na ausência dos cônsules, lidar com distúrbios civis e mesmo para realizar ritos propiciatórios dos deuses em épocas de calamidades. Há quem sugira que a nomeação do magister.populi (mais tarde chamado dictator) pode já vir do tempo da monarquia – seria nomeado pelo rei quando este não podia estar presente no acampamento militar por razões de saúde ou por ter de cumprir funções políticas ou religiosas em Roma . Os autores antigos concordam que Lárcio foi o primeiro ditador, em datas que variam entre 501 e 497 a.C .
Para as funções religiosas que o rei detinha, criou ‑se (ou manteve‑se) o rex.sacrorum, encarregado de desempenhar na regia.(nome que significa ‘casa do rei’) determinados rituais antigos que se apresentavam estranhos para os historiadores do final da República. É possível que este ‘rei para os assuntos sagrados’ já existisse desde o tempo da Monarquia, pelo menos da sua última fase do século VI a.C., em que Roma, em confronto com um sistema anterior, parece ter sido governada por tiranos .
Os historiadores modernos perceberam que a palavra consul salienta a natureza colegial da função (o prefixo cum ‑ significa ação em conjunto) e alguns, na sequência de De Martino, sugerem que talvez seja uma criação de 367 (em resultado das conquistas da plebe tratadas no capítulo seguinte) . Parece que, no início, seriam, segundo Festo (249 L), designados por praetores (de prae.ire: ‘ir à frente’, ‘comandar’), dada a sua função de comandantes militares.
A tradição pressupõe que os magistrados superiores eram dois desde o início da República, com igual autoridade, mas pode ter sido esquecido um modelo anterior. A própria substituição dos cônsules mortos em exercício por suffecti (‘substitutos’) logo no primeiro ano da República parece ser antecipação de um modelo consagrado mais tarde. Uma discutida passagem de Lívio (7.3) fala da restauração da prática antiga (lex.uetusta) de nomear um ditador para colocar um prego no templo do Capitólio, uma observância que, segundo o historiador, era no início levada a cabo pelo praetor. maximus. Ora o superlativo (maximus) parece indicar mais do que dois24. Outros acham que tal não era forçoso. A referência a praetores.maiores e praetores.minores no augurium.salutis (Festo 152 L) parece explicar ‑se por ser uma fórmula arcaica em que praetor equivale genericamente a magistratura. E o atributo Maximus poderia ser para o distinguir dos restantes magistrados ; ou para distinguir o que detinha os fasces no início do ano, no momento de colocar o referido prego na parede do templo .
Outra hipótese para a transição seria a substituição do rei pelo ditador (o magister.populi), que por sua vez se fazia acompanhar do mestre de cavalaria (o magister.equitum) ; e, como os dois nomes apareciam emparelhados na lista (os Fasti), poderiam ter sido interpretados como cônsules pelos historiadores . Mas pode‑se argumentar que a colegialidade era um princípio antiquíssimo e, portanto, os magistrados superiores poderão ter sido sempre dois29. Não é contudo improvável que em 509/8 estivesse um praetor.maximus a encabeçar os colegas e que acabasse por ser esquecido devido aos desenvolvimentos posteriores da instituição do governo30. De qualquer modo, é possível que, nos primeiros dois séculos da denominada República, não houvesse apenas um sistema político em Roma31.
Bruto teve o mérito de ser considerado o fundador da liberdade republicana porque era o primeiro da lista dos cônsules. Mas há quem proponha a remoção de Lucrécio, Valério e Horácio do primeiro ano da República. Segundo Forsythe (2005 154 ‑55), os outros foram adicionados posteriormente para fazer coincidir a provocatio (que muitos consideram uma antecipação da lei de 300) e a dedicação do templo do Capitólio com o primeiro ano da República.
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