Nas duas partes seguintes desse texto, a experiência brasileira fornece a base de observação para coleta dos dados do estudo. A sistematização dos conceitos brasileiros aplicados à inserção internacional do país é vista, desde agora, como contribuição do intelectual ao estudo das relações internacionais. O conjunto de conceitos articulados entre si e com o campo do conhecimento das relações internacionais foi exposto em nosso livro Inserção Internacional . O conjunto aproxima-se da teoria, na medida em que exerce as duas funções que a disciplina se atribui historicamente, a explicativa e a valorativa. Diferencia-se da teoria, na medida em que restringe o alcance às relações internacionais de um determinado país.
A crítica à construção de teorias exposta na primeira parte desse texto reivindica, em nosso entender, a multiplicação de formulações com o fim de abarcar conjuntos explicativos e conjuntos valorativos diversos, de tal sorte que não permaneçam alguns povos ou nações à mercê de outros no terreno da formação acadêmica e das decisões políticas. Foi com esse intento que nos ocupamos durante três anos com o projeto de pesquisa apoiado pelo CNPq, de que resultou nosso livro.
Agregamos ao estudo das relações internacionais a contribuição brasileira, substantiva pelo lado cognitivo e legítima pelo lado ético. Sem estarmos preocupados em elaborar mais uma teoria e sem recusarmos a idéia de que um conjunto de conceitos possa ser comparado a uma teoria pelo fato de exercer idênticas funções.
Centramos, a seguir, o foco em duas questões relativas à formação dos conceitos brasileiros de inserção internacional: em primeiro lugar, são indicados os criadores de conceitos e a abrangência de suas formulações; em segundo, para fins pedagógicos, são examinadas e demonstradas as funções específicas desses conceitos aplicados às relações internacionais.
O estudo de conceitos elaborados no interior de uma nação, ou numa determinada região de similaridade cultural e de desígnios externos, é conduzido em nossa pesquisa por método predeterminado, não eclético, como procedem construtivistas, a exemplo de Wendt. Os procedimentos de nosso método são sumariamente expostos a seguir.
Por mais pretensioso que se apresente, o intelectual que lida com as relações internacionais não arranca de sua mente o conceito acabado. A contribuição pessoal é relevante, na medida em que a destilação de conceitos, o arranjo, a tipificação e a conexão evolutiva, uma soma de tarefas da qual resulta a síntese superior, pertence ao autor, que por vezes acrescenta de próprio. Algo semelhando ocorre no campo das teorias, como bem sabem os estudantes de relações internacionais: num extremo, manuais que expõem as teorias alheias; em outro, criações originais e pessoais; no meio situa-se nosso procedimento, uma sistematização de conceitos extraídos, seja de determinada praxis, em viagem do empírico ao abstrato, seja de determinada inteligência elaborada coletivamente.
Com efeito, o conceito aplicado às relações internacionais com o qual estamos lidando resulta de uma construção social. Os conceitos brasileiros, objeto desse estudo, lançam raízes em três segmentos da sociedade: os pensadores da nação, de seu destino e de seu lugar no mundo; os pensadores da vida política e da ação diplomática; enfim, o meio acadêmico e os centros de produção científica que analisam metodicamente a conexão entre o interno e o externo. Nosso método de análise aproxima-se dos procedimentos de outras correntes e grupos, mas sequer deve ser qualificado de construtivista. O método tradicional de elaboração das teorias está mais para a dedução, daí sua fragilidade intrínseca, o construtivista explora uma base de observação dispersiva e exibe certo ecletismo, ao passo que nossos procedimentos para produção dos conceitos apóiam-se na segurança do método histórico, em sua essência, percorrendo o caminho da indução que vai do concreto ao abstrato.
Bibliografias
- CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008.
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