Google logo  MAIS PARA BAIXO  Google logo

Ad Unit (Iklan) BIG


Caraterísticas e evolução da Monarquia romana

Sobre a lista dos reis, há de certa forma duas posições extremas que podem ser tomadas: ou se parte do princípio de que é o produto forjado de nomes relevantes ligados às várias colinas da cidade (assumindo neste caso que Roma é resultado de um processo de sinecismo), ou se admite a ideia da tradição antiga de que se tratava efetivamente de uma monarquia não hereditária, hipótese que tem precedentes em sociedade arcaicas (de tipo homérico) em que o líder era o mais capaz de proteger a sociedade. 
De resto, a única exceção parcial seria a de Tarquínio Soberbo, que era filho de Tarquínio Prisco, mas esta exceção prova a regra, pois ele atingiu a realeza de forma ilegal, ao usurpar um trono do qual ficaria arredado em circunstâncias normais. Ou então trata ‑se da evolução para uma monarquia hereditária na passagem da fase de uma aldeia para a de uma cidade ‑estado .
A interpretação generalizada, baseada na tradição literária, é de que a Monarquia romana se baseava numa espécie de sistema eletivo, que estaria na origem da instituição do interregnum da época republicana . Depois da morte do rei, o poder voltava para o senado (res.ad.patres.rediit), que estabelecia comissões para ocuparem o governo como interreges (reis interinos). O processo prolongava ‑se por um ano, depois do qual se procedia à reunião dos comitia.curiata, nos quais o candidato proposto era votado pelo povo (através de uma lex.curiata) e sancionado pelo senado (pela auctoritas.patrum). Desta forma, os membros, os patres, não seriam elegíveis: faziam a escolha fora do seu círculo, medida que constituía uma forma de prevenir conflitos . Tem sido aventada a suspeita de que tal procedimento fosse uma retrospeção dos historiadores a partir de uma prática republicana estabelecida posteriormente. Mas o nome (interregnum) sugere que o processo se baseia num procedimento do tempo dos reis, mesmo que na altura fosse diferente. Apesar de a questão continuar em aberto, subsiste, pois, a ideia de que o poder era conferido ao rei através de um processo de nomeação e ratificação .
De qualquer modo, havia conexões entre os reis e os seus sucessores. Por exemplo, ao possível sucessor era atribuído um cargo de importância no governo em curso: Tarquínio Prisco era o “braço direito” do seu antecessor, Anco Márcio, e será sucedido pelo seu próprio favorito, Sérvio Túlio. Essa ligação aparece também reforçada por laços de matrimónio: Sérvio Túlio era genro de Tarquínio Prisco e Tarquínio Soberbo era genro de Sérvio Túlio. Há, de resto, um elemento do conto popular nestas histórias: o motivo do estranho que casa com a esposa do rei e, assim, obtém o trono. As mulheres parecem, pois, desempenhar um papel de relevo na aclamação, como é o caso de Tanaquil, esposa de Tarquínio Prisco, que patrocinou a aclamação de Sérvio Túlio, e de Túlia, que incentivou o marido, Tarquínio o Soberbo, na usurpação do poder e assassínio de Sérvio Túlio .
Alguns reis eram estrangeiros (ou pelo menos de fora da terra): eram‑no literalmente no caso de Numa, que era Sabino, e de Tarquínio Prisco, que tinha ancestrais gregos e etruscos. Alguns dos reis não possuíam sangue patrício: particularmente Numa e Tarquínio Prisco, que eram imigrantes, e Sérvio Túlio, sobre o qual um dos poucos aspetos em que as fontes concordam é que ele não era de nascimento patrício . A tradição latina sobre Sérvio Túlio, que o apresenta como um escravo que se tornou rei, poderia ter sido de algum modo decalcada a partir do relato do rex.nemorensis, isto é o ‘rei do Bosque’ de Diana em Arícia. Tratava‑se de um procedimento arcaico, existente até ao Império, em que um escravo fugitivo podia encontrar proteção naquele santuário, assumindo o ‘reinado’ local depois de matar o antecessor. Ora a tradição refere a ascensão do escravo Sérvio Túlio na sequência do assassinato do antecessor e relaciona ‑o com a construção do templo de Diana no Aventino, santuário rival do de Arícia . 
É possível que usurpadores tivessem tomado Roma por curtos períodos no final da Monarquia e princípio da República. Eram bem conhecidas da tradição etrusca e romana as aventuras guerreiras dos irmãos Aulo e Célio Vibena, a julgar pelas representações em que eles apareciam. A mais significativa é uma pintura de um túmulo de Vulcos : de um lado, uma representação inspirada na Ilíada, relativa ao sacrifício dos prisioneiros troianos, parece servir de chave de leitura; do outro, uma série de guerreiros surpreende um grupo de inimigos, mata ‑os e liberta um prisioneiro. Todos estão identificados e entre eles se contam os dois irmãos. Célio Vibena (Caile.Vipinas) é libertado por Mastarna (Macstrna); e entre as vítimas figura, à direita, um Cneve.Tarchunies. Rumach, identificado como Gneu Tarquínio de Roma (Fig. 1). A presença deste nome sugere uma conexão com a história de Roma no tempo dos Tarquínios. Não se pode dizer com certeza que se trata de Tarquínio o Antigo: além de o nome deste ser tradicionalmente Lúcio , a nomenclatura itálica recorre frequentemente a adjetivos criados a partir de topónimos, pelo que não indicam mais do que a origem (como o caso do próprio Tarquínio, oriundo de Tarquinium). O imperador Cláudio, que era um polígrafo e um perito em “etruscologia”, num discurso , com o qual procurava justificar a entrada de cidadãos da Gália no senado romano, fala da história do acolhimento de aristocratas estrangeiros na Roma arcaica, para destacar a versão sobre a origem de Sérvio Túlio. Se a conhecida tradição romana o dava como filho de Ocrésia, uma prisioneira de guerra, Cláudio acrescenta uma novidade: as fontes etruscas apresentavam ‑no como Mastarna, um fiel companheiro de um senhor da guerra, Célio Vibena, que, depois da desgraça deste, veio para Roma com o resto das forças do seu antigo amigo, se instalou no Célio e mudou o nome para Sérvio Túlio. 
 Os eruditos interpretam o nome Mastarna (Macstrna) como composto de magister, seguido do sufixo etrusco  ‑na, pelo que significaria ‘comandante’, denominação que ocorre nas funções de magister.equitum. (‘comandante de cavalaria’) ou magister.populi (‘comandante de infantaria’ e equivalente de ditador), de que se falará no capítulo seguinte. Contudo, Cláudio talvez se tenha precipitado na identificação, por estar demasiado preso à ideia de que os reis de Roma foram apenas sete.  As dificuldades em identificar o servo de Tarquínio o Antigo com o fiel companheiro de Célio Vibena (a não ser que se identifique este com Tarquínio, o que é negado pelo referido fresco tumular) e os percursos paralelos, sugerem que se tratará de outra pessoa, o que pressupõe a existência neste período de mais governantes em Roma do que a tradição analística regista, e ainda que aristocratas lutavam pelo poder à frente de exércitos privados. Se Cláudio diz que Mastarna ocupou o Célio com a parte restante do exército de Célio Vibena, outra tradição relaciona o irmão deste, Aulo Vibena, com o Capitólio . 
Em suma, as fontes parecem indicar que o rei era uma pessoa de fora, por vezes mesmo um estrangeiro, e em qualquer dos casos exterior à aristocracia patrícia; que a sua eleição era um processo complexo (envolvendo o rei anterior, o senado, o povo e a consulta dos deuses). Em todo o caso, no período final da monarquia, estas regras terão sido subvertidas e o poder terá caído na mão de usurpadores e tiranos. Em consequência, senhores da guerra dominariam a Itália Central desde meados do séc. VI até finais do V.


Artigos relacionados

Enviar um comentário


Iscreva-se para receber novidades