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Ajustamento Estrutural em Moçambique

Segundo vários observadores, Moçambique durante os primeiros anos do PRE, aplicou de forma “dura” o programa de ajustamento estrutural. O quadro seguinte demonstra a aplicação de algumas das medidas do PRE em Moçambique.

 

1986

1987

1988

1989

1990

Oferta monetária real, 1986=100

100

60,7

61,8

68,1

63,8

Crédito à economia real, 1986=100

100

81,6

76,8

73,8

65,0

Taxas de juro, depósito a 1 ano (%)

3

16

16

16

20

Taxa de câmbio (MT/US$)

40,4

289,4

528,6

745,0

929,1

Salário mínimo real (Meticais)

3.000

1632

2105

2840

2758

Fonte: CNP, Informação Estatística, vários anos e World Bank (1990).

O facto de Moçambique partir de uma experiência anterior com objectivos socialistas, ser no momento um dos países mais pobres do mundo42 e possuir uma situação de guerra, fez com que existissem algumas especificidades pouco comuns que importa ressaltar. Destacam-se as seguintes: Primeiro, o capital moçambicano não possuía capacidade de investimento devido às baixas possibilidades de acumulação durante o período 1975-1986. Esta limitada capacidade de investimento e a pequena experiência empresarial, retardaram a privatização das empresas públicas e dificultaram a recuperação económica que se limitou a alguns sectores económicos. Por outro lado, a entrada do capital externo era dificultada por um quadro jurídico pouco desenvolvido, pela situação de crise económica prevalecente, pelos riscos da guerra e por pressões dos grupos sociais capitalistas emergentes que reclamavam por um maior proteccionismo ao capital nacional.


O capital interno e as elites no poder estabeleceram deste modo novas alianças: os primeiros possuíam o capital e a gestão e necessitavam do proteccionismo estatal; os segundos possuíam o acesso à informação privilegiada, influenciavam as decisões e podiam actuar com procedimentos de favor. Esta aliança é concretizada través da formação de sociedades para a aquisição das empresas a privatizar e para a realização de negócios.

Segundo, o Programa de Reabilitação Económica facilitou a abertura política e a entrada de grandes quantidades de ajuda (principalmente da ajuda alimentar), que pretendiam reduzir a situação de crise alimentar e, deste modo, aumentar a legitimidade do governo para a aplicação do ajustamento estrutural. Por exemplo, cerca de 70% da oferta no mercado interno de grãos durante o período 198789 era proveniente da ajuda alimentar (Ministério do Comércio, Departamento de Segurança Alimentar, em Mosca, 1993). Grande parte dos bens de equipamento para o sector privado eram doados por organismos internacionais, principalmente pela agência americana USAID e pelas Organizações Não-Governamentais. Estabeleceu-se assim uma aliança entre as IBW e as organizações internacionais. Enquanto que o Fundo Monetário Internacional financiava a dívida pública, cobria o déficite externo e influenciava os países e os bancos internacionais no sentido de facilitar a ajuda e a concessão de novos créditos, o Banco Mundial financiava alguns projectos de desenvolvimento, principalmente nos sectores de exportação43. As organizações internacionais surgem, na maioria dos casos como executoras destes projectos. Deste modo as alianças IBW + Organizações internacionais e Governo + capital local constituíam o eixo fundamental da aplicação do PRE44.

A maioria dos produtos alimentares provenientes da ajuda eram vendidos a preços baixos ou doados às populações que viviam em situação de deslocados de guerra. A componente de moeda local originada pela venda destes produtos foi utilizada pelo Estado para cobrir os déficites orçamentais e para financiar investimentos públicos (Mosca, 1993). Estes aspectos, juntamente com os já existentes, dificultaram a recuperação da produção de grãos que constituem a base alimentar da maioria da população. Por outro lado, a ajuda reforçou o papel do Estado não só pelas relações externas associadas à cooperação e à ajuda como porque as instituições públicas desempenhavam um papel relevante na distribuição alimentar. A iniciativa privada apoiava-se no Estado não só para obter um maior acesso aos recursos da cooperação que eram veiculados através das instituições públicas como para executar as operações de comércio externo e de distribuição interna. Este é um dos dilemas dos PAE´s: simultaneamente que procuram reduzir o papel do Estado na economia, estes mecanismo reforçam o protagonismo das instituições públicas.

Terceiro, a situação de guerra generalizada dificultava o funcionamento do mercado, a circulação dos recursos e a reactivação dos sectores produtivos, principalmente no meio rural. O peso dos gastos com a defesa não podiam baixar devido ao agravamento da guerra e mantiveram-se em cerca dos 40% do orçamento de despesas correntes (CNP, 1990). Os investimentos privados mantiveram-se baixos, como consequência dos riscos da guerra, devido às taxas de juro elevadas (superiores a 40% por influência da inflação que não baixava) e pelo efeito dos cortes quantitativos na oferta monetária. A guerra não permitia que a população deslocada regressasse aos seus locais de residência e de trabalho o que dificultava a reactivação da produção de pequena escala em grande parte do território.


No entanto, o PRE, através dos recursos externos (financiamento da dívida pública, novas linhas de crédito e projectos de desenvolvimento), da ajuda alimentar e da libertação da iniciativa privada e dos camponeses, permitiu a inversão da tendência do crescimento negativo da economia. A ajuda alimentar aliviou a fome a milhares de moçambicanos. O poder recuperou alguma legitimidade, condição importante para a aplicação do programa. Do lado negativo, os custos sociais foram elevados e concentrados nos grupos sociais mais pobres: os salários reais baixaram, o emprego e o auto-emprego não aumentaram e os serviços de saúde e da educação começaram a ser pagos, mesmo que de uma forma simbólica. A dependência externa aumentou (Mosca 1993). Os desequilíbrios macroeconómicos não se reduziram e em alguns casos aprofundaram-se (Mosca, 1993). No que respeita à agricultura, destacam-se os seguintes aspectos mais importantes:

  • - as grandes empresas produtoras de produtos de exportação, públicas e privadas, beneficiaram-se de um conjunto de medidas: da desvalorização da moeda, da gestão de parte das divisas geradas pela respectiva actividade e por uma maior autonomia de gestão. As grandes empresas públicas cuja produção se destinava fundamentalmente ao mercado interno continuaram em crise. Algumas delas foram parceladas e as terras foram distribuídas a antigos agricultores e/ou aos dirigentes e técnicos da empresa;

  • - as pequenas e médias empresas que produziam principalmente produtos frescos em redor dos centros urbanos foram beneficiadas. A ajuda da USAID e de outras organizações internacionais com equipamentos e insumos destinados ao sector privado facilitaram a reactivação da produção. A liberalização dos produtos fez aumentar os preços a curto prazo. O acesso ao crédito por parte dos agricultores privados aumentou46. Não obstante, a saturação dos mercados foi rapidamente atingido devido, por um lado ao baixo poder aquisitivo e à redução do salário real e por outro lado, devido à importação de produtos sucedâneos a preços mais baixos;

  • - as cooperativas deixaram de beneficiar do pequeno apoio que recebiam do Estado;

  • - a maioria dos camponeses continuaram sem possibilidades de retomar a sua actividade devido à guerra. Os preços dos produtos básicos evoluiam negativamente para os produtores. Não obstante, com o PRE e sobretudo com a participação de projectos financiados por ONG´s, iniciaram-se algumas acções de apoio a este sector em determinadas zonas do país. A rede de extensão rural foi reforçada através dos recursos destes projectos. Em alguns regadios distribuíram-se terras aos camponeses que viviam nas aldeias circundantes ao perímetro irrigado.

Em resumo e no que respeita à agricultura pode-se afirmar que o PRE foi globalmente positivo em relação ao período de crise anterior. As grandes empresas produtoras de culturas de exportação, públicas e privadas, foram as mais beneficiados. Os pequenos e médios produtores de culturas cuja consumo se realiza fundamentalmente no mercado interno também foram beneficiados através das ajudas externas e devido à distribuição de terras de algumas empresas públicas. Os camponeses continuaram a ser os menos beneficiados. O sistema de preços e a estrutura produtiva e dos mercados continuava a facilitar a extracção dos recursos do sector “tradicional”, aspecto que continuou sendo uma das características fundamentais do modelo. A produção de algumas culturas aumentou.

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