É enigmático o facto do Grande Zimbábuè não haver sido implantado numa zona aurífera. Daí alguns investigadores sugerirem que teve diferente base económica o poder que permitiu aos respectivos dirigentes fundar uma unidade política de tipo estadual e controlar a exportação do ouro produzido algures. É, hoje, óbvio que aquele centro se encontrava estreitamente associado a um sistema algo complexo de ligações mercantis.
Aconteceu, possivelmente, que uma das dinastias do povo «Gumanye», graças à sua excepcional riqueza em gado bovino, adquiriu tal preponderância que conseguiu dominar as rotas comerciais entre os portos fluviais e marítimos e os campos auríferos do sudoeste explorados pelos representantes da cultura que os arqueólogos designam por «Leopard's Kopjie».
O local de implantação dessa capital parece, não ter obedecido a quaisquer propósitos deliberados. Também não há provas de que constituísse um santuário religioso, embora tenham sido ali encontrados objectos de presumível significado ritual. Há, apenas, a sugestão de ter existido nas suas cercanias suficiente ouro de aluvião que facilitou o inicial esforço de arranque económico. Como aconteceu em muitas outras culturas e civilizações é possível que os iniciadores do processo não pudessem prever a complexidade que iria atingir a sociedade que fundavam e, por tal motivo, não tivessem qualquer motivação especial para seleccionar outra localização.
O certo é que esses dirigentes da população «Gumanye» decidiram, a partir de c. 1100 d.C, empregar a sua riqueza na construção de melhores moradias, cercadas por mais altas e mais vastas muralhas. Possuíam, decerto, suficientes forças armadas, permanentemente operacionais, para obrigar as caravanas a transitar pela capital para efeitos de pagamento dos tributos exigidos. Esses guerreiros eram, naturalmente, gratificados com gado bovino que utilizavam na compensação nupcial exigida pela família das noivas. Também receberiam prémios em missangas e tecidos importados.
O estilo de vida dos dirigentes apurou-se em refinamentos. Por sua vez os plebeus acudiram ao meio «urbano». Entre 1300 e 1450, o Estado do Grande Zimbábuè atingiu o auge da sua prosperidade, intensificando o comércio externo e engrossando as suas manadas. Aperfeiçoou as técnicas de construção e organizou a mobilização da grande quantidade de mão-de-obra indispensável à extracção, aparelhagem, transporte e sobreposição dos paralelepípedos de granito. As muralhas asseguravam a defesa, a distinção e a privacidade dos dirigentes. Até a sua olaria se diferenciava da dos súbditos. Também dispunham de cerâmica importada e de uma notável variedade de outros produtos ultramarinos, incluindo sedas e bordados. Entregavam parte do ouro a artífices especializados que confeccionavam jóias de apurado gosto.
Apesar das especulações de alguns autores, a verdade é que se desconhecem os nomes dos dirigentes Chonas-Carangas que mandaram construir e habitaram o Grande Zimbábuè. Presumíveis ascendentes do ramo que, mais ao norte, fundou o Estado de Mutapa, não falta quem haja elaborado conjecturas fictícias, retrotraindo no tempo e aplicando ao Grande Zimbábuè as observações feitas pelos primeiros portugueses sobre o famoso «Monomutapa».
Embora carecendo de planificação sistemática, as escavações realizadas ao redor das muralhas permitiram avançar sugestões sobre o número e disposição espacial dos habitantes do centro urbano. Oscilariam entre 5 000 e 11 000, densamente concentrados em palhotas pouco distanciadas, num padrão semelhante ao dos modernos «bairros de caniço» moçambicanos, sem grandes cuidados de alinhamento e sanidade. A exemplo do ocorrido em antigas e presentes concentrações urbanas enfermando de graves deficiências, deviam proliferar as doenças, "as epidemias, os detritos, os excrementos, os parasitas, numa promiscuidade patogénica e desconfortável que tornava a vida quotidiana dos plebeus abissalmente diferente da dos aristocratas, que, dentro das muralhas, se deleitavam na sua abastança, nos seus lazeres e, até mesmo, nos seus luxos e divertimentos.
Neste sistema económico, as mulheres teriam que desenvolver enormes esforços no cultivo de distantes machambas e na colecta e transporte de lenha e água a partir de locais cada vez mais longínquos. Por seu lado, os homens não ocupados nas pedreiras e na construção, dedicarse-iam à caça e à pastorícia no intervalo das mobilizações militares. Os arqueólogos já depararam com povoações periféricas, cm materiais vegetais, que serviriam para guarda, pastoreio e reprodução das manadas de bovinos.
Ruínas de amuralhados semelhantes aos do Grande Zimbábuè encontram-se dispersas por todo o planalto e até nas terras baixas a oriente. O rádio-carbono indica datações posteriores a 1300 d.C. Na falta de granito, os seus construtores recorreram a xistos e calcários. Infelizmente a arqueologia não pode garantir que tais centros periféricos estivessem sob o domínio político do Grande Zimbábuè. Mesmo que obtivesse provas nesse sentido, seria difícil apurar por quanto tempo esse domínio se teria mantido. Não puderam, até ao presente, relacionar-se as ruínas locais com as tradições orais das populações circunvizinhas. De qualquer modo, pertence ao domínio da pura fantasia a hipótese, avançada por alguns autores, de um grande império que abrangeria, inclusivamente, Ingombe Ilede, perto do local onde o Zambeze recebe o seu afluente Oafue. Tudo indica que este antigo entreposto sustentasse relações mais de rivalidade do que de aliança com o Grande Zimbábuè.
Seja como for, talvez devido ao esgotamento dos recursos naturais, a unidade política de que tratamos entrou em declínio na segunda metade do Sec. XV. Cerca de 1500 a sua capital encontrava-se praticamente abandonada. Como veremos, o seu verdadeiro sucessor foi o Estado de Butua-Torua, a ocidente, com a capital em Khami, no centro de uma região com abundantes recursos em água, solos e pastagens e, para cúmulo, com ricos jazigos auríferos.
Há suficientes elementos arqueológicos para admitir que a cultura do Grande Zimbábuè se expandiu em várias direcções, incluindo o centro e litoral do actual território moçambicano, entre os Sec. XIII e XVI. As datações pelo radio-carbono provam que o seu alastramento em direcção ao vale do Zambeze ocorreu nos Sec. XIV e XV. Possivelmente assumiu mais a forma de graduais deslocações de linhagens dominantes, com os seus parentes e aderentes, do que migrações envolvendo grandes massas populacionais.
Aquela expansão pode ou não encontrar-se associada à construção de zimbábuès. Reveste-se de especiais dificuldades a classificação e datação dos amuralhados moçambicanos em que, por falta de granito, os construtores tiveram que recorrer a xistos laminares e pedras calcárias. Só as escavações sistemáticas e os modernos métodos de datação permitirão relacioná-los com os grandes chefes, os «reis», mencionados nos mais antigos documentos portugueses.
Há, pelo menos, sete construções líticas no Báruè, duas em Manica e Teve e outras três em sítios mais meridionais. A sua ligação política ao Grande Zimbábuè apenas como hipótese pode ser admitida. O mesmo se pode afirmar do Zimbábuè de Manicuene (Manikweni) Sito a 133 km ao sul do rio Save e a 50 km da orla marítima, cuja ocupação se prolongou de 1200 a 1600. Os seus dirigentes também viviam no interior dos amuralhados, dispersando-se ao redor milhares de súbditos de proveniência heterogénea. Além de possuírem gado vacuum, deviam controlar de algum modo o comércio entre o planalto e os mercadores asiáticos que frequentavam o Save, a baía de Vilanculos e o arquipélago do Bazaruto.
Referencias bibliográficas
- PHIMISTER, I. R. — Ancient mining near Great Zimbabwe. «J. South Afr. Inst Min. Metallurg.» (Joanesburgo), 74 (6) 1974, p. 233-237.
- OLIVEIRA, CARLOS RAMOS DE — Notas sobre o parentesco e o casamento entre os Tauaras. «Garcia de Orta» (Lisboa, l (1-2) 1973, p. 27-38.
- GARLAKE, P. S. — An investigation of Manekweni. «Azania» (Nairobi), 11, 1976, p. 25-47.
- GARLAKE, P. S. — Pastoralism and Zimbabwe. «J. Afr. Hist.» (Londres), 29(4) 1978, p. 479-493.
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