O controlo, por Magadicho, da produção aurífera escoada por Sofala, parece ter sido de curta duração. É possível que parte dos dirigentes ditos «xirazis» hajam decidido abandonar as áridas costas da Somália, emigrar em direcção ao sul e fundar colónias em ilhas próximas do litoral, férteis, aprazíveis, seguras e mais próximas dos centros produtores desse ouro que lhes asseguarava tamanha prosperidade.
Comparando exaustivamente a versão arábica com a versão portuguesa que João de Barros elaborou da célebre «Crónica de Quilua» — e apoiando-se em achados numismáticos e arqueológicos — N. Chit- tick sugere que o monopólio do comércio aurífero por esta última cidade se haja iniciado no términus do Sec. XIII, na sequência do advento dessa nova vaga de imigrantes «xirazis».
Em Quilua as construções em pedra já haviam sido iniciadas nos finais do Sec. XI. As primeiras moedas cunhadas localmente datam de 1200. A grande mesquita de traçado árabo-persa completou-se cerca de 1300 (14). A cidade foi visitada por Ibn Battuta em 1331.
Foi a partir desse entreposto comercial que, como veremos, se processou a fundação, por dissidentes, de outros estabelecimentos afro-islâmicos localizados a sul do Rovuma, nomeadamente ilha de Moçambique, Quelimane e Angoche.
A supremacia incontestada de Quilua manteve-se até às últimas décadas do Sec. XV quando o sultão Issufo de Sofala passou a agir com maior independência e se lançou em conflitos com os chefes do interior. Face à insegurança da rota de Sofala, e também porque o principal centro de decisão política, o Estado dos Mutapas, se havia aproximado do Zambeze, os comerciantes do interior foram desenvolvendo a rota alternativa Tete-Sena-Angoche. O recurso a esta rota também tem sido explicado pela perda das condições de navigabilidade do rio Save (18).
As escavações arqueológicas realizadas por R. W. Dickinson em Sofala e na foz do Save proporcionaram interessantes achados. Alguma daria revelou afinidades com as tradições da área do Grande Zimbábuè. Os habitantes usavam instrumentos de ferro e ornamentos de bronze. Fabricavam tecidos de algodão. Possuíam gado bovino e utilizavam peixes e mariscos na alimentação. Entre os objectos encontrados anterior e ocasionalmente nas proximidades de Sofala figura um estranho elmo de bronze e uma trombeta de marfim provavelmente com funções semelhantes às de Melinde, descritas por Álvaro Velho.
Os afro-islamizaidos não eram os únicos a comerciar na região. O mesmo arqueólogo descobriu exóticas decorações sobrelevadas, aplicadas antes da cozedura, em vasos de formato integrado nas tradições locais. Tais decorações eram alheias à cultura «suahili» pre-gâmica não tendo sido até hoje encontradas na olaria escavada e estudada no litoral a norte do Rovuma. Aquele arqueólogo aponta para o Golfo de Cambaia, na índia, como evidente região de origem. Os oleiros autóctones procurariam imitar toscamente a usada por pequenos grupos de comerciantes indianos operando em Sofala e na foz do Save, no início do Sec. XV.
Há documentação arábica que se refere a esta presença de indianos. Al-Biruni (c1030) alude ao tráfego entre Sofala e a China, fazendo escala pelo porto de Somanath, em Kathiawar, Índia. Al-Idrisi (1154) e Ibn-al-Wardi (c. 1340) mencionam a exportação de ferro de Sofala para a índia. Este último acentua a preferência dos habitantes pelos ornamentos de cobre e a comercialização de grandes pepitas de ouro.
Os primeiros registos portugueses confirmam a presença de indianos na própria costa de Inhambane, como o episódio narrado na versão de Gaspar Correia sobre a primeira viagem de Vasco da Gama, episódio que menciona o «mouro» capturado no zambuco surto numa grande enseada. Era natural de Cambaia e, prontificando-se a colaborar com vista ao incremento dos seus negócios, aconselhou os navegadores como deviam evitar os baixios de Sofala que efectivamente ultrapassaram «navegando pelo espaço de dias».
Dos testemunhos visuais portugueses se conclui, implícita ou explicitamente, a antiguidade da colonização islâmica na costa de Sofala. Sancho de Toar, o primeiro capitão ao serviço da Coroa de Portugal, a aportar ali em 1501 encontrou ancorados numerosos barcos «mouros». A simples menção das mercadorias encontradas nos primeiros zambucos apresados constitui prova da intensidade do tráfego comercial pre-gâmico: escravos, ouro, prata, marfim, tecidos, missangas, arroz, etc. Muito preciso é João dos Santos que viveu em Sofala no final da década de 1580, ao descrever os «muitos e grandes palmares», os «grandes canaviais de cana-de-açúcar», os «matos devolutos, sem dono próprio, cheios de laranjeiras e limoeiros». Descreve um sistema de colonização agrária semelhante ao existente em Inhambane, Quelimane, Angoche, Mossuril, Pemba, Mocímboa da Praia, etc., desenvolvido no decurso de largos anos, em condições de segurança: «...Todos estes mouros de Sofala vivem espalhados pelos palmares circundantes da fortaleza, que são como quintas de Portugal, distantes uns dos outros algumas vezes quase uma légua».
Em Sofala, à chegada dos Portugueses, os afro-islamizados concentravam-se em duas povoações, cada qual com cerca de 400 habitantes. O xeique residia na que se situava a montante do rio, a 3 km da beiramar. A população africana dos subúrbios ascendia a 10 000. Nas terras circunvizinhas onde exerciam um controlo de tipo colonial, podiam mobilizar até 7000 homens de armas. Constituíam, pois, uma comunidade distinta, com organização política e social privativa, embora bem menos importante do que Mombaça e Quilua cuja população ascendia, respectivamente, a 10 000 e 4 000.
A crer numa informação prestada em 1506, por Pêro de Anhaia, situava-se no interior um outro «rei mouro» que não é possível identificar.
Além do ouro tinha alguma importância a compra de marfim, âmbar e pontas de rinoceronte.
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